quarta-feira, 27 de junho de 2018

Numa atenção à temperatura

Numa atenção à temperatura ... o cabelo pode não ter o comprimento, ou a cor desejada, o rosto, as delineações pretendidas, a cintura, a proporção certa, os olhos, essa alegria de achar e perder um segundo de tempo na vida, envolvido em tudo o que é possível para esquecer e o sorriso, apesar de ser muito bonito, pode não ser perfeito, mas afinal o que o é?
Sei bem onde deixei o bloco de anotações, cheio de palavras começadas pela primeira letra do alfabeto, apenas não tenho a certeza de ser as palavras certas, mas as palavras, tal como os retratos que tiramos com o coração e guardamos para nós, são apenas uma forma de expressão, nessa vontade de verbalizar sem nada dizer, onde a beleza é tudo menos aquilo que se consegue ver à primeira vez.... muito escaldante.
Foto: Catirolas

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Estórias e rostos de gente por aí

E se um dia, desses em que na terra, brota um calor avassalador e onde a água é quente, mas muito fresca quando deitada goela abaixo, encontrássemos a vida? 
A vida nos pequenos lugares, que não é muito diferente da vida dos lugares pequenos, enche-me de emoção.  
Já passava da hora do almoço, apaixonada pela história, história das gentes e dos lugares, entrei na igreja levada por uma melodia imponente, por vezes suave, outras bruscas, provocada pelos movimentos das mãos de Maria a ensaiar no órgão da igreja. "Isso bem afinado", diz-lhe uma voz logo ali ao lado, a voz do professor atento, que não deixa escapar nenhum detalhe. Um pouco mais à frente a Madalena limpa os bancos de madeira revestidos por uma napa vermelha, um pequeno fio escondido, deixa perceber que no rigor do inverno serão aquecidos.
"A visita é bonita, acha que vale a pena"? Pergunto-lhe. "Vale sim menina, só a vista da parte de cima vale tudo, e os objectos também". Convencida pela Madalena, comprei o bilhete, enquanto a guia me sorria eu retribui a simpatia com uma fotografia. Fiz a visita. Madalena estava certa, era muito bonita.
Deixei a igreja para me entregar à sinuosidade das ruas, empedradas, limpas, viradas para as gentes, aquelas que por ali passam e aquelas que ali ficam, passando o tempo a ver outros passar, como o Francisco, o vendedor de "sons", a imitar um canário, objecto que tenta vender a quem passa na rua. "Há quanto tempo"? Muito tempo! Demasiado para quem nada vende, e muito pouco para quem nada compra.
Deixei a rua da cidade, segui direita ao campo, no pensamento a estrada... e se a estrada por onde segues, não for aquela por onde planeaste ir? E se ela te levar para um caminho onde a erva tenta romper o queimado da terra e o rio te obriga a atravessar uma água transparente?Não faz mal, aliás faz muito bem. Segui em direcção ao campo, na caminhada de descoberta na natureza, pisei uma cobra, fotografei uma formiga, deitei-me no chão e tentei fundir-me com a terra. Perdidamente embrenhada nos pensamentos, encontrei-me no horizonte, com o Manuel e o Joaquim em cima de uma casa de pedra com o telhando redondo, um pouco mais de perto percebo que são funcionários da terra reparando a Cárcoda, sedenta por dois dedos de conversa, mas sem nada lhes perguntar respondem-me, "ali  abaixo há uma fonte com água fresquinha". Informação recolhida e confirmada. Se a água não tem sabor, porque aquela sabia tão bem? Talvez pela sede de beber, de saciar com beijos de vida, a vida... afinal o que se pode fazer a tanto amor? Deixar amar.






Fotos: Catirolas. Nota os nomes das pessoas no texto são fictícios.

segunda-feira, 11 de junho de 2018

A despedida

Tic tac, tic tac... o gosto pelas artes sempre fez parte do seu ambiente familiar, mas também a natureza e a ginástica. Correr, pular, saltar, uma constante efusão de brincadeiras, era o dia a dia daqueles cinco meigos, lindos e leais companheiros. Vê-los nascer foi das coisas mais maravilhosas a que assisti. Uma noite fria ao lado da mãe, como um apoio materno que não tem vergonha de partilhar o amor de um ser por um outro ser, que não o olha sequer assim... limitando-se a amar, sem pensamentos ou preconceitos. Temos tanto que aprender... 
Arranjar um lar sempre foi opção, para cada um deles, um lugar físico, que será um espaço diferente daquele lugar em que sempre irão habitar e a que damos o nome do coração. Sim, o meu coração será sempre a sua casa. Apesar desta dualidade de querer e não querer, eles partiram. E hoje foi o ultimo, o dia da despedida e já tenho tantas saudades dos meus tesouros da natureza.
Se chorei? Sim. 
Porquê? Talvez porque sou demasiado sensível, ou lamechas se preferirem, apesar de não deixar transparecer. Mas essencialmente porque me comove a lembrança desse amor incondicional, genuíno e sincero de quem te ama sem pedir nada em troca... 
Foto: tesouros da natureza da Catirolas

Os condutores da vida


Às vezes a vida é como esses condutores que vão na estrada à nossa frente. Umas vezes andam devagar, outras depressa demais e ainda outras vezes, tantas, não andam nem desandam. 
Marcar passo, também é viver. 
Será?

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Helena

E se um dia as minhas mãos decidirem ir para um lugar diferente, daquele que os meus pés querem ir?
Tenho guardado há alguns anos numa folha de papel A3, a árvore genealógica da família. Um esboço que fiz, com a ajuda da memória da minha querida avó Helena. Os nomes dos meus antepassados e algumas curiosidades que ali constam são o registo, um arquivo, de alguma importância para mim. Mas não tão importante como a recordação da Helena, que abracei tantas vezes, (mas nunca o suficiente). 
Helena era uma mulher beirã, de pele morena, olhos claros a lembrar as amendoeiras em flor, mas o que mais sobressaía nela era a sua alegria contagiante. "Helena conte lá uma das suas!" Diziam-lhe tantas vezes. Uma das suas, significava uma lengalenga, uma chalaça, ou algo pior,  que fazia sempre alguém rir.
Ninguém lhe era indiferente e eu não era diferente.
Sentada num banco de madeira, enquanto a cafeteira de alumínio mascarrada, já sem asa, dançando ao lume, fazia o café, Helena contava-me histórias sem papel, livros ou fotografias para se documentar, falava-me ao coração, com coração...e o maior legado que me deixou, o registo mais importante para a minha árvore genealógica, foi mesmo esse amor.
Helena partiu quando menos se esperava. Uma noite sentada ao lume de lareira aberta, caiu e queimou-se. Não era por ser avó, ou por ser minha, (a minha avó), mas Helena era uma mulher muito especial! Não deixava ninguém indiferente e eu não era diferente. Gostava mesmo muito dela!



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Outono

Incrível!! Ainda ontem o cair da noite banhava lentamente (a passo de caracol) os nenúfares que boiavam no charco verde de águas cálidas, ...