domingo, 12 de agosto de 2018

Caminhos de cabras


E se a estrada por onde segues não for aquela por onde planeaste ir?
Ti Maria Cremilde leva a enxada às costas, vai para a horta.
Acorda lá pelas cinco da manhã. Com duas fatias de broa e um caneca de café, antes do calor queimar mais uma ponta do chapéu de palha, remendado com linhas de linho, segue para a horta.
Envergando seu fato preto, lembrando a partida de entes queridos, desloca-se a pé para o campo, onde plantou uma mão cheia de tomate, que está quase maduro e que entretanto fará compotas para vender, todos os sábados, no mercado da vila. As pouco conhecidas mas muito desejadas compotas da Cremilde.
Ti Maria vive numa completa solidão, mas não é uma mulher só, tal não é a dimensão da vida, não apenas dos afazeres que a ocupam ao longo do dia, mas na vontade com que se dá e abre o seu coração.
Vive isolada no cimo de um monte, onde a vista que se avista é demasiado longe para quem está tão perto do ruído da civilização, mas que assim quer ficar. Dali sente o ar fresco e húmido da manhã, antes do sol subir bem alto e vê o mar, onde nunca se banhou.
Conheci esta linda mulher de olhos verdes e cabelo grisalho num acaso, seguindo uma estrada pela qual não planei ir. Recebeu-me com um sorriso, partilhou comigo broa de milho barrada com compota de tomate, contou-me histórias do arco da velha, deixou-me abraçar os seus dois gatinhos farruscos, pegar ao colo nas galinhas, tirar o leite das cabrinhas, deixou-me ficar.
E eu fiquei, perdida nesse lugar, (por onde não planei ir), mas achada em tudo o resto…


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