terça-feira, 14 de agosto de 2018

A história da reportagem "Os comboios param cada vez menos por aqui"

A estação estava vazia, mas os caixotes de lixo cheios. Há quanto tempo estaria assim? (A estação, não os caixotes de lixo). Sentada num dos bancos de madeira já meio a cair, penso: "quantas pessoas terão se sentado ali?" Quantas mercadorias despachadas? Reencontros de familiares, encontros permitidos e despertar de paixões?" Tento imaginar tantas histórias, tantas quantos aquelas que os azulejos na parede procuram retratar, uma perfeita ilustração dos locais mais belos a visitar na região. Num outro lugar, algo que capta também a minha atenção, prémios que lembram que ali, onde agora só há mato e abandono, houve em tempos jardins, os mais belos jardins da estação.
Enquanto aguardo pelo comboio, o relógio de Paul Garnier, esse famoso relojeiro e engenheiro francês, fornecedor de relógios das estações, lembra a sua função: transmitir as horas aos passageiros em espera na gare e ao pessoal que ali servia. Este ainda resiste e marca o tempo de forma precisa. O relógio dizia-me: "está quase na hora". Um pouco antes do previsto, um senhor a quem vou chamar "senhor dos comboios" senta-se à minha beira. Talvez um pouco surpreendido por ali me ver, mete conversa. "É de cá? Para onde vai?" Eu respondo-lhe com sinceridade ao que ali estou, para onde vou e depois de algum tempo de conversa, algo estranha, que prefiro não pormenorizar, a seu pedido e com algumas reservas, dou-lhe o meu contacto profissional. 
Finalmente chega o comboio, uma carruagem apenas. Vai cheio, eu apanho-o e pago bilhete, o "senhor dos comboios" faz o mesmo, mas não paga. Desafia o cobrador a passar-lhe uma multa, como se fosse habitual fazer e era habitual como depressa percebi. O cobrador sem saber muito bem como lidar com a situação passa-lhe a multa, que o "senhor dos comboios" garante não pagar.
Antes de me sentar procuro um lugar vazio, para poder apreciar a paisagem e reter os momentos, mas o "senhor dos comboios" resolveu sentar-se a meu lado. Não me lembro muito bem quantas vezes insistiu para que saísse no mesmo local que ele, não sei quantas vezes recusei... Felizmente a minha paragem era perto e oito minutos depois de ter entrado saí e ele continuou no comboio. 
No local do meu apeadeiro, muita gente sai também. Chapéus, bolas, sacos com lanches, uma "festarola" de gente: amigos, famílias, namorados, etc. Com a praia logo ali ao lado e com a época alta, aquela é sem dúvida uma alternativa de transporte com muita procura, infelizmente cada vez mais desprezada e abandonada pela CP, levando à progressiva degradação da linha e do desaparecimento de comboios... não sei como deixamos chegar o património a este ponto. "Apesar do silêncio ser agradável, há momentos que o ruído, o burburinho, o movimento, a vida faz falta, ali é um deles. Tenho pena que os comboios parem cada vez menos por estes lugares".
Dias mais tarde recebo uma chamada telefónica. O senhor dos comboios liga-me. O que aconteceu depois?? Lamento mas não posso contar.


Foto: Catirolas







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