terça-feira, 29 de maio de 2018

A discrição era a ordem do dia

A madeira embebida em óleo queimado dava um ar escurecido ao lugar, combinado com o odor a vinho entornado em cima do balcão, suspenso no ar, como um denso nevoeiro, húmido, frio e pesado. Havia tudo para fugir aquele lugar e no entanto, os seus pés de lá não se moviam, era assim há tantos anos, primeiro o bisavô, depois o avô, o pai e agora ele... agarrado aquele oficio, como uma atração pelo mistério de uma paixão física que foge a qualquer compreensão, e que não tem forma de ser resolvido. Para lá de todas as emoções que aquele lugar lhe despertava, era um obsequioso taberneiro, que de uma forma carismática fazia, o que tão bem sabia fazer: servir e escutar, sem nada dizer. A discrição era a ordem do dia. Servia os clientes habituais, também eles de gerações e aqueles que vinham de passagem, como naquele dia, alguém sentado na ponta do balcão, cuja caricia da sua voz, era tão real como se tivesse realmente lhe tocado, e os olhos e o olhar, a parte que mais interesse lhe despertava, eram verdadeiramente singulares, perdidos entre um verde e um castanho, a lembrar searas de outono e prados na primavera, alguém que lhe despertou a atenção. Não era um cliente habitual, mas bebia como se fosse.Quis meter conversa com ela, dizer-lhe duas palavras, mas não foi capaz. Ele era um obsequioso taberneiro, que de uma forma carismática fazia, o que tão bem sabia fazer, servir e escutar, sem nada dizer... a discrição era a ordem do dia.

Sem comentários:

Publicação em destaque

Outono

Incrível!! Ainda ontem o cair da noite banhava lentamente (a passo de caracol) os nenúfares que boiavam no charco verde de águas cálidas, ...