sábado, 5 de março de 2016

Boa Fortuna


Boa Fortuna tem três filhos que correm descalços pelo asfalto para verem o pai chegar, depois de mais um dia de trabalho.  Sua esposa, a Cremilde dos Dias Melhores morreu de uma doença estranha, algures entre a Malária e a Sida. Seus filhos com nomes normais, Pedro de 14 anos, o João de 8 e o Manuel de 5, vivem entre a caridade da associação do bairro e os trabalhos precários e pouco incertos que o pai lá vai arranjando. 
Boa fortuna nunca foi à escola, nunca viu o mar, nunca saiu do bairro.
No ano passado recebeu a visita de uns senhores engravatados com umas bandeirinhas coloridas, vieram discursar sobre um milagre, o “Rendimento mínimo qualquer coisa”. Boa Fortuna não percebeu nada, não é instruído, cresceu demasiado depressa para isso. O presidente do Bairro disse-lhe que ia receber dinheiro e incentivou-o a assinar uns papéis, mas passaram-se meses e nada. Entretanto o presidente mudou de casa, de carro e foi-se embora, mas Boa Fortuna viu-o no outro dia na televisão de um café onde foi recolher o lixo..., o presidente foi levado pela policia. Que pena, era tão boa pessoa!
Boa Fortuna passa fome. Todos os dias por volta das 23h00, aguarda à porta das traseiras de um restaurante da cidade, ao lado do seu bairro. Fica à espera que lhe dêem os restos de comida e eles dão. Para ele, é a primeira e única refeição do dia. Com os sacos cheios de comida boa, regressa a casa. Os filhos estão à sua espera a dormir, algures entre as ratazanas, as baratas e outros bichos de estimação pouco visíveis a olho nu. Boa Fortuna está cansado, por vezes apetece-lhe desistir destes dias longos e duros, acabar com a má sorte que a vida lhe deu... mas quando regressa finalmente a casa e os seus meninos o abraçam cheios de ternura e felicidade, tudo desaparece: a tristeza, o cansaço, a vontade de desistir…
Com três crianças tão belas, Boa Fortuna, só poderia ser um homem afortunado.



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