sábado, 23 de março de 2019

Génios

Viver agarrado às capacidades, sem ser preciso arregaçar as mangas, não é para todos. Há poucos génios no mundo que tenham descoberto a diferença entre o que se é e o que se pode ser.  
Já é primavera, tempo de renascer, tempo de discorrer sobre a vida ou o que não se está a fazer com ela. Talvez pense demasiado, mais do que o habitual e poderia ficar com esse pensamento, mas antes do que não se diz, mesmo antes dessa conversa fragmentada, preenchida por prolongados sons... é melhor nada dizer. Não quero falar, pois aquelas palavras que se poupam no discurso para beber o líquido da euforia dum reencontro, faz-me magoar o silêncio.  
O tempo que temos é curto, descobri à pouco, mas nem essa descoberta me faz ver o mundo de maneira diferente. Já não me incomodo com a falta de afecto, ou com as futilidades, mesquinhes, coscuvilhice, isso não me interessa. Mas importa lembrar-me aqueles génios, sábios na leitura, na escrita, na investigação. Dotados em matemática, línguas, em ciências forenses. Muitos deles com capacidade para ser algo na vida, mas que nunca o chegaram a ser. Perderam-se no caminho, nos anos em que estiveram agarrados a uma heroína, pouco heróica, e o tempo passou, escapou-se, tal como essa promessa de vida com a qual nenhum deles se conseguiu comprometer.  

Foto: Catirolas

quinta-feira, 21 de março de 2019

Beco


Nesses momentos da vida em que estamos no meio de uma multidão, nessa altura, em que sabemos exactamente o que estamos ali a fazer e ainda assim... fica a dúvida e quando a dúvida fica, parece não haver espaço para mais nada.
O mundo não é um lugar estranho, onde vivem estranhos, ás vezes mais do que estranhos, o mundo não é um lugar estranho é um lugar entranho. Um pequeno quintal onde a poesia transforma, os sonhos em realidade e a realidade em sonhos, onde o teatro faz vibrar aquele que usa o palco da vida, para colocar a vida em teatro, subindo ou não, a um palco. Um beco, onde não há arte ou vida que valha, se não acreditarmos, se não sentirmos...um beco sem saída, mas num beco também há vida, uma saída. 

Foto: Catirolas


quinta-feira, 7 de março de 2019

Não me levem a mal.... levem-me simplesmente!


O dia revela sempre melhor o que a noite procura esconder, mas é na noite que o cutelo dá a ordem de esfaquear o gelo e aquecer o ambiente. O medo é o ambiente perfeito para não nos deixarmos adormecer em catadupa. Mas medo do quê? Se casei com ele, se lhe fiz juras de amor eterno, ao mesmo tempo que lhe prometi fazer o jantar todos os dias, engomar, dobrar a roupa e fazer amor quando a outra, a embriaguez não estiver por perto, mas não me interpretem mal, eu gosto de cozinhar e de passar a ferro.
Ás vezes agarro-me aos momentos bons, mas tem dias, talvez meses, ou anos... já não me recordo bem do dia em que a lua rompeu pelo céu e me iluminou o sorriso com os seus raios lunares, mas creio que foi no mesmo dia em que senti aquele abraço apertado, sentido, um pouco diferente do de hoje, menos esmagador, doentio e asfixiante, mas não me interpretem mal, eu gosto de abraços.
Em breve será de dia e virá o sol ansioso por romper por entre as nuvens… haja vontade! Muita fome. A música pode não ser forte, mas a melodia da música que as notas transmitem, é vibrante e não fosse a vibração dos corpos ecoar por entre a câmara negra do obscuro, se não fosse isso creio que poderia adormecer logo por ali. Mas adormecer para quê, se o acordar é uma montanha russa. Ontem recebi um presente, uma caixinha de maquilhagem, um pouco antes da outra prenda, daquelas que recebo todos os dias, só não sei bem quando e a que horas. Mas porquê? Para quê?
Se me quer bem, é porque bem me quer e se bem me quer e me quer tanto... não me interpretem mal, não gosto de maquilhagem, mas depois de tanto "bem querer," não há como não gostar.


Foto: Internet


quarta-feira, 6 de março de 2019

Dia de caça

Despontava mais uma manhã na planície. Vários elefantes espreitavam, excitados, por entre a pouca luminosidade, um grupo de homens com as faces reluzente e olhar ameaçador.Ignorando totalmente o aviso, em busca de uma madrugada de glória, os elefantes avançavam cuidadosamente, esmagando o asfalto por entre a folhagem até chegarem ao morro, onde melhor se podiam camuflar atrás de um tronco secular e assim contemplar aqueles magníficos caçadores, que emergiam por entre a névoa, cem metros mais à frente. Observados dali, os homens pareciam muito maiores e mais aterradores. De tal forma que os elefantes, apesar do porte, se sentem vacilantes.
Pouco depois, um dos caçadores, aparentemente o líder apercebeu-se da presença dos predadores. Então, bruto, ameaçador, investiu na direcção deles. Esticando a arma e disparando ruidosamente, quebrou o silêncio. Momentos depois, gerou-se o pânico entre estas majestosas criaturas de duas pernas - cobertos entretanto por uma imensa nuvem de pó - que se debatiam entre a vida ou a morte. O cenário era quase desolador, os caçadores vacilavam, uns caiam, outros fugiam, atordoados e meio enlouquecidos, para a densa floresta. No meio de tudo, apenas duas certezas: aquele rasto de sangue a tingir a terra árida e o olhar de dor estampado na face destes homens, outrora caçadores e agora caçados.
Foto: Catirolas

Força nas pernas e luz no horizonte

Numa lápide de pedra tosca, um tosco homem conversa. Fala com as mãos em palavras de gestos crus, adormecidos pelo padre que também ressona ao ouvir o seu pregão, no altar da vida. Enquanto os doidos se apegam, sobem ao mundo, pelas imagens de olhos virais, pessoas de corações vazios ardendo em gelo de emoções, onde se diz sentir tudo, mas onde nada se sente, verdadeiramente. 
No meio da violência, há sempre alguém que se ri. Garfadas de gargalhadas que traduzem os pensamentos, que são como os actos, já não falam por si e os laçarotes que enfeitam a mente roubam o espaço a um penteado de outros tempos. Mesmo a almas carecas.
O que fizemos ao mundo?
Tiquetaque, tiquetaque... a evolução avança nesse tempo, que não conseguimos controlar. Segue demasiado depressa por esse trilho, onde rostos perdidos se agarram com força a metralhadoras, como se fossem ursinhos de peluche para dormir e não hesitam em puxar o gatilho.
Por aí, ensina-se a matar, compra-se (in)felicidade e tudo é demasiado fácil, bastar ter uma dúzia de notas de bolso e uma centena de ideias pervertidas na mente. 
E se pararmos para pensar. Porquê parar para pensar, se temos alguém que pense por nós? Com ideias que se parecem com bares, cheios de copos vazios, prostituindo-se ao primeiro contacto bocal.
Se tenho medo? Tanto, tantas vezes, em tantas ocasiões, ás vezes até receio de abrir a janela e de descobrir como está hoje o dia, pavor de comer e de respirar, um terror desmedido de me perder por caminhos onde não sei quem vou encontrar.
O que fizemos com o mundo?  
Não acordei agora, despertei muito cedo e deixei o carro em casa para a apanhar a bicicleta, mas na ânsia de não me perder esqueci-me pedalar pela vida e a vida fez com que caí-se na estrada, várias vezes... a estrada vai continuar por lá e tu?
... há força nas pernas e luz no horizonte.

Foto: Catirolas

sábado, 2 de março de 2019

Descoragem


Antes que o Carnaval encerre e todos voltem a vestir as máscaras, depois de as terem deixado por aí...

Encerro os olhos e consigo vê-lo na perfeição, ás vezes senta-se ao meu lado, a olhar para mim, outras vezes sinto-o apenas a sentir o meu respirar, o perfume da minha trança. Nesta curta distância vejo-o a agarrar na minha mão e a sorrir para mim, como se não houvesse mais ninguém e ali estivesse uma multidão… vejo-o e não quero voltar a ver.
Largos momentos permanece em silêncio e não me diz nada, mas nada fica por dizer. Apesar de me atormentar, tem dias que me quero livrar dele, mas tem outros, que o quero bem perto de mim, pela adrenalina que me oferece e por me fazer sentir vida. Quando ganho coragem, pouco a pouco, consigo torná-lo mais pequenino e deixo-o passar por mim sem sequer lhe tocar, mas sei que é temporário, pois ele volta, volta sempre. 
Às vezes é difícil acordar, mas temo mais pelo adormecer.
Foto: Catirolas

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