quarta-feira, 28 de março de 2018

Uma pedra no lugar do coração


Num dia igual a tantos outros, de passagem, com o vento primaveril a amaciar-me o rosto. De mala a tiracolo, a máquina fotográfica ao pescoço e o caderninho na mão. Embrenhada nos pensamentos, fiquei indiferente. Indiferente não, por não ter dado pela sua presença, mas mais por estar concentrada no que iria fazer, de tal forma que por momentos nem me apercebi que estava lá. Mas ele estava lá, como uma sombra, uma peça que ali não pertencia, uma pedra fora do lugar, mas que ainda assim, e depois de me aperceber realmente da sua presença, tanto sentido fez para mim, ali estar.
Aproximei-me por breves momentos, olhei-lhe nos olhos disse um bom dia e esbocei um sorriso e o meu bom dia foi correspondido com outro, mas o sorriso deu lugar a um olhar de incredibilidade, de admiração, talvez pelo interesse, por ter-se feito notar.
Por momentos pensei em dirigir-lhe mais algumas palavras, perguntar-lhe o nome, de onde era.... Perceber qual a razão que o levou a estar ali. Mas não o fiz. Os poucos segundos em que lhe pensei dar atenção foram engolidos, esmagados por uma multidão de visitantes, que por ele passou e sem lhe dirigir uma palavra, um sorriso, ou até mesmo um olhar, lhe deram aquilo que pedia e que lhe importava realmente naquele instante, alguns euros.
Por momentos pensei em dirigir-lhe mais algumas palavras, perguntar-lhe o nome, de onde era... Perceber qual a razão que o levou a estar ali, mas não o fiz. Não o fiz, não por causa da multidão, mas porque não quis comprometer o encontro de trabalho que iria ter de seguida. Não o fiz porque já me encontrava suficiente emocionada, tocada, de lágrimas nos olhos sem culpa do vento. Não o fiz para não expor os meus sentimentos. Preferi colocar uma pedra no lugar do coração. Ainda antes de partir para o meu destino, peguei na máquina fotográfica, que ainda tinha ao pescoço, e entre olhares de consentimento tirei-lhe um retrato. 
 (é esta a história desta fotografia)

Foto: Catirolas


Momentos simples ou simples momentos.
A simplicidade das pessoas também reside nas pessoas simples, ou na capacidade de ver, sentir, amar essa simplicidade... Quantos de nós consegue fazer isso, realmente!

quinta-feira, 22 de março de 2018

Pequenos detalhes

Gente de pele áspera e cansada labutam na terra infértil e nela depositam todas as suas energias e esperança.
A minha terra é a imaginação, num mundo onde semeio palavras, que podem ou não também germinar alguma coisa... emoções, sentimentos... 
Se chegam ou não ao seu destino. Se chegarem ao seu destino, talvez.... talvez arranquem um sorriso, uma lágrima. Mesmo que ao seu destino não cheguem... talvez, ainda assim haja vontade de conhecer o agricultor que de pele áspera e cansada não se cansa de labutar na terra infértil e depositar nela toda a sua energia e esperança...  

quarta-feira, 21 de março de 2018

A poeta Catirolas

Porque hoje é o dia da poesia. (apesar de detestar dias instituídos).
Resolvi soltar a poeta que há em mim, ou havia, partilhando três poemas do fundo do meu baú.
16 de maio de 1998


17 fevereiro de 1996
18 de janeiro de 1998









sábado, 10 de março de 2018

Voos de inverno

Se me perder por aí... talvez encontre outros caminhos que a nenhum lugar irão dar. Mas pelo menos não podem dizer que não tentei. É inverno, está frio e apetece pantufar... e se me perder por aí?
"Cuidado com o chão", o alerta vermelho, alerta para que se fuja dos pingos da chuva e há tanta gene que o faz, mesmo em dias em que não chove sequer. Foge sem nunca ter apreciado, sentido a água gelada que cai dos céus. "Umas gotas mais ou menos fortes, uma vez por outra, sabe bem, sabe-me bem" e até mesmo o vento que nos despenteia o cabelo, parece arejar as ideias e as lágrimas que causa aos olhos parece devolver-lhes um pouco de brilho.
Já me perdi por ai e muitos abraços dei. Abracei uma multidão, abracei-os com o meu sorriso, com a minha amizade, com a minha maneira de ser, mais ou menos apreciada, dificilmente perfeita, ou fácil de gostar. Mas na realidade não foram muitos aqueles que me apeteceu voltar a abraçar realmente... e isso não é perder-me por aí, é achar-me!

Foto: Catirolas

quinta-feira, 8 de março de 2018

O dia...

Sobre dias instituídos.

Não, não adianta tirar mestrados, conversar com os amigos, com os amigos dos nossos amigos, com os nossos namorados, com aqueles que aspiravam a ser, mas nunca foram... apesar de terem dito a meio mundo que os nossos beijos eram os melhores que já provaram. 
Não adianta tentarem vestirem-se de nós no "Carnaval", ou noutro dia qualquer quando não estamos a ver. Sim também temos os nossos dias e as nossas fantasias, que queremos que descubram ou que simplesmente perguntem quais são? 
Não adianta ler sobre a matéria ou tentar perceber o que vai na nossa cabeça. Somos super simples, e sim às vezes também somos simplesmente complicadas. Na realidade somos apenas o que mostramos e tudo o que queremos, descomplicada mente não é mais do que que qualquer ser humano, independentemente do sexo. Que se esforcem e se interessem por nós, pelo nosso corpo, pela nossa maneira de ser, pela nossa alma. Que si interessem, ponto. Todos os, minutos, horas, todos os dias do ano, mas se esse interesse vier acompanhado com um ramo de flores, também não faz mal. Aliás faz muito bem. 





quarta-feira, 7 de março de 2018

Espíritos inertes


Um dia somos excelentes, outro, nada valemos. Piripiri!
Tal como essa toalha de renda de bilros estacionada em cima de uma mesa farta de ociosidade, onde abunda a comida e sobra a vontade de comer.
Experimenta vestir umas calças de tecido grosseiro, atadas nos joelhos com cordéis e procurar, buscar amor, companhia, e em última instância comida, alimento. Essa comida cheia de nutrientes e de outras coisas, que não se encontra em nenhum restaurante famoso, mas em alguém que saiba conjugar com temperos de amor, os alimentos da amizade, da solidariedade... da humanidade.
Um dia, num desses em que as ondas desmaiam de jubilo, os ventos suspiram, as estrelas fogem, as areias movem-se e as aves marinhas brindam o mar com os seus cantos, talvez tudo seja diferente. Talvez esses seres "pobres" acordem longe dessa sociedade corrupta, escrevam um livro, enriqueçam alguém a quem não falta dinheiro, poder, nobreza, mas onde falta tudo o resto. Pobreza. Pobreza!?
Pobreza é acordar todas as manhãs num palácio onde se tem tudo e descobrir que, afinal, não se tem nada, apenas esse espírito inerte.

domingo, 4 de março de 2018

Louvor

Eram seis da manhã quando o despertador, demasiado violento, mas ainda assim bastante eficiente, fez o seu trabalho. Despertou!
Alice levantou-se, tomou banho, vestiu-se, preparou a marmita para o seu Tomé levar para o trabalho, uma receita da sua avó angolana, Moamba de Peixe. Vestiu as crianças e saiu para o trabalho. Um edifício de dez andares no centro de Lisboa.
Depressa Alice e a sua colega de trabalho, Margarida, picam o ponto, pegam nos baldes, na esfregona no pano de pó e varrem, despejam o lixo. Limpam o espaço. Perto das nove da manhã começam a chegar os "fatos", como as duas mulheres de 40 anos, lhes chamam. Para eles, elas são invisíveis. Não existe um sorriso, um bom dia, nem sequer um obrigado, a não ser quando é preciso limpar o café que alguém entornou, ou despejar um caixote de lixo. "Se ao menos aquelas pretas fizessem o seu trabalho", ouviram no outro dia alguém comentar, queixando-se do nada que havia para queixar. Alice ganha três euros à hora e trabalha no turno da manhã, que termina perto da uma da tarde.
Antes de ter tempo de engolir a sandes que carrega na sacola, vai a correr para outro trabalho, umas horas que faz na casa de uma ministra, "um terceiro andar muito chique, em Campo de Ourique", diz com emoção, por gostarem tanto do seu trabalho. Apesar de ter a quarta classe também ela se considera uma ministra, a ministra das limpezas.
É já perto das sete da tarde que regressa a casa. Filhos para tratar, roupas para lavar, jantares e almoços para preparar. O tempo passa a correr e antes de ver a sua novela favorita adormece no sofá. É o barulho do Tomé que a acorda, o marido chega finalmente a casa. O cheiro a álcool e a tabaco lembram Alice que hoje foi noite de voltar a sair com os amigos, ou para os braços da amante. Um hoje, de todos os dias. E ela que esteve ali à sua espera acabou por nem jantar...Enquanto ele foi desmaiar para a cama extremamente alcoolizado, ela deixou-se ficar ali um pouco mais, sozinha no sofá. Gostava da quietude, do silêncio daquele momento que anunciava o fim de mais um dia.... a novela estava quase a terminar.

Trazer o amor às pessoas, aquilo que se dá, é que nos diferencia.


quinta-feira, 1 de março de 2018

Saiu para a rua

Decidida, animada, cheia de pujança, saiu para a rua, talvez regresse de madrugada, ou já manhã cedo. A noite tomará conta dela e ela tomará a noite nos braços, pode ser que a sorte lhe sorria e os copos se sentem na sua companhia bebendo um conhecido Pontapé na Con...(consciência). "Aqui não fazemos fiado", grita uma voz dentro do bar, lembrando que trabalho é trabalho e o conhaque só mais tarde poderá juntar-se à festa.
Saiu mesmo para a rua e a rua não a largou. Depressa, de braço dado com um homem mais velho, logo depois com um mais novo e logo outro de idade mal resolvida. Com um sorriso mergulhado nesse vermelho garrido que o baton lhe emprestou, com os seus longos cabelos encaracolados, presos ao cheiro de um Cohiba, (o charro viria depois), encostou-se à parede, logo depois de ter saído para a rua de braço dado com esse homem de idade mal resolvida, que lhe meteu a mão no rabo e logo depois na con... (consciência). Sem pudor... com o suor a molhar-lhe do rosto, à medida que as leggings se tornavam num obstáculo difícil de encarar, nessa perspectiva de que uma saia é sempre a melhor opção, deu-lhe tudo o que quatro notas de dez, lhe dava direito.
Acordou na rua ainda de noite, disputando a companhia de um bocado de látex vazio e uma carteira de notas sujas, coladas a números de telefone de homens sem rosto e sem nome.
Saiu para a rua, saiu mesmo para a rua, encostou-se à parede, acordou na rua e saiu da rua. Voltou ao número 13, um quarto dividido em dois, alugado a tantas como ela, que não conhecia, mas que no final do mês compensava. Poupanças que foi aprendendo no departamento financeiro da UV (universidade da vida).
Acordou na rua e saiu da rua, ainda mal tinha pousado a mala e despido as leggings, recebeu um telefonema. Mudou de cuecas mas não voltou a vestir as leggings, optou por uma saia. Reforçou nos lábios o baton e penteou o cabelo, depois, decidida, animada, cheia de pujança saiu de novo para a rua. Afinal esta até podia ser uma Pu...(puta) de vida, mas era sexta feira... a sua melhor noite da semana.  

Imagem: Retirada da Internet



Muito...

Às vezes não é preciso tantas palavras para nada dizer. Basta o silêncio.
Correr uma maratona sem as sapatilhas adequadas, acordar sem ter tido tempo de tirar as pantufas e adormecer sem ter tempo de dizer aqueles de quem se gosta muito, que se gosta, muito! "Gosto muito".
Às vezes o silêncio não basta. É preciso dizer.

Publicação em destaque

Outono

Incrível!! Ainda ontem o cair da noite banhava lentamente (a passo de caracol) os nenúfares que boiavam no charco verde de águas cálidas, ...