sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Mais fácil na prática que na teoria


Mais fácil na prática que na teoria. 
Dezembro tem sido um mês frio. Espera lá, dezembro é só amanhã! A confusão está instaurada. Confesso que cada vez menos, sei em que mês se começa a celebrar o Natal. Há quase dois meses que já se fala nesta época, em frases e campanhas que acabam todas com a mesma intenção, "Compra-me! Consome-me! Vá lá, gasta o teu magro ordenado, em coisas fúteis e supérfluas e pensa depois nisso". 
Ainda nem é início de dezembro e já as luzes se acenderam, e não me refiro à iluminação pública, que por vezes escasseia em determinados lugares. As luzes de Natal estão por aí, umas mais cintilantes que outras. 
Gosto de ver as ruas iluminadas. Esse ar que se respira, misturado com o frio e o cheiro das "quentes e boas". Recordo com nostalgia os quilómetros percorridos, propositadamente, depois do trabalho, quando tinha uma vida boémia. Terminando quase sempre num jantar, no topo de um hotel com vista para o castelo, com "companhia ambiente", ou numa cave, onde se servem os melhores vinhos e petiscos de Lisboa, ou simplesmente a beber um cocktail exuberante, aos tremelicos da passagem do metro que ajudavam a empurrar um beijo ou dois, na versão romântica da coisa.
Mas voltando ao que realmente interessa, o Natal. Gosto desta época, mas gosto de viver a época durante o mês a que ela pertence, dezembro, nem antes, nem depois. Gosto de fazer a árvore, para os meus gatos destruírem de seguida e o presépio no jardim, com as figuras tradicionais, onde não falta o musgo. Gosto de fazer e enviar postais festivos personalizados, pelo correio, (coisa rara nos dias de hoje), contrariando as tendências virtuais e gosto sobretudo de fazer os encontros, de um ano de desencontros, (se bem que este foi um excelente ano de encontros, mas há sempre algo a melhorar). 
Pode parecer cliché, pode soar até muito bem dizer ou escrever estas coisas, mas se não for sentido, vale o que vale. Será assim tão difícil fazer do Natal, Natal?
Foto: Catirolas


quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A velha

Há sempre um lugar para ir, ou ficar, mesmo que se desconheça que lugar é esse e tantas vezes a solidão, se confunda com o estar só.
Pelo passeio da vida, uma velha de cabelos a roçar o grisalho, passa apressadamente em direção a lugar nenhum, vai ao quintal resmungar com as galinhas. O caminhar convicto, provocado pelos chinelos de uma marca escandalosamente cara, não fazem adivinhar a sua condição. Rica? ou Pobre? Ricos meninos foram aqueles que lhe limparam a casa, mas deixaram as contas para pagar. Os ricos, foram os parentes desconhecidos, ou os conhecidos aparentados. "Família", murmura entre os dentes postiços, presos entre os dentes verdadeiros. Aqueles que levaram tudo o que de valor tinha, menos a velha. A ela deixaram-na ali, com as galinhas, que já nem sabem cacarejar. Mas isso já foi há tanto tempo, que já nem se lembra, desse tempo. Anos, meses, dias, horas ou instantes. Também já deixou de fazer falta, afinal o que é a Páscoa, que significado tem o Natal? Nada, quando o tempo e aquilo que o preenche deixou de importar. A vida passou a desenrolar-se, ao ritmo de um chá quente com sabor a cannabis, como aquela planta verdinha que vai nascendo na estufa, dentro do galinheiro. E é nessa pressa, de quem vive acalentada a uma dor eterna, de um silêncio, que se rende ao barulho da solidão, que tudo se torna mais real... Faz "vento", que o vento já não voa por ali.
Foto:Catirolas




quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Memórias

A manhã acordara nebulosa e fria. No horizonte, o nevoeiro, ou o fumo, que fumegava das chaminés e que por causa do frio não subia, deixava a descoberto, as fragilidades do cume desse monte, nessa terra bonita demais para não se falar nela. 
Ás seis da manhã, a telefonia com o som muito alto, ia debitando as noticias matutinas, intercaladas por algumas vozes bem conhecidas do fado português. António levanta-se da sua cama de ferro, que herdou da sogra, bem como o colchão de palha, veste as calças remendadas e a camisola quentinha, calça os sapatos gastos e cheios de terra e sai para o quintal. Helena vai logo a seguir, mas não sem antes levar o penico de esmalte e o despejar na sarjeta. 
Na cozinha, feita com barro vermelho, põe umas cavacas ao lume, a cafeteira mascarrada em cima de um tripé e faz o café. A água que sai da torneira, custa a sair, parece congelada nos canos. Congelada, está também a saudade que ficou num balde na rua. 
António abre o curral das cabras e num assobio, as vai conduzindo pelas sinuosidades do terreno, uma ribanceira que termina no rio. 
Absorvendo as emoções daquele lugar, Maria levanta-se também. Ainda de pijama vai ter com Helena, procura uma tigela, corta um pedaço de broa, que Helena amassou na semana passada, mas que parece ter sido ontem, e mete dentro da tigela, despejando por cima, o café acabado de fazer.  Helena não consegue estar calada, Maria não consegue parar de lhe perguntar coisas; larachas, dizeres, lengalengas, histórias verdadeiras, outras menos verdadeiras, mas em que ambas acreditam. Laços e cumplicidade. Não há pequeno almoço melhor.
António chega entretanto, Helena prepara-lhe o pequeno almoço e serve-lho, António está sempre a ralhar, não diz uma palavra simpática, não tem um gesto de carinho. António, é um homem  bonito, de olhos azuis muito expressivos. Não fosse a vida austera, o trabalho duro e as dificuldades de vida, tudo teria sido diferente. Os filhos, menos de uma dúzia, mas mais de meia dúzia, depressa largaram a escola, para ajudar a casa, mas agora também eles já seguiram suas vidas, restando apenas as visitas nas férias, nos feriados, nas épocas festivas. Isso não parece deixá-lo mais feliz. 
Antes do almoço ainda há tanto para fazer: lenha para rachar, ovos para tirar das galinhas, couves para plantar, feijão verde para mondar, porcos e cabritos para alimentar. 
Sentado no banco de madeira António acaba o pequeno almoço e lê, sem saber ler ou escrever, as noticias do velho jornal. Maria mete-se com ele, mas só consegue ouvir ralhetes, palavras duras e má disposição. Ainda de pijama, Maria abraça António com todo o carinho que carrega no coração. Apesar da resistência e da rabugice, António esboça um sorriso e deixa-se ficar nesse abraço... afinal tudo o que é preciso é não deixar de acreditar. Helena sorri também com o episódio.

Foto: Catirolas

Talhes

Calçada ou descalça, tanto faz. Mas não faz tanto... não faz tanto frio se tiver pelo menos um par de meias calçadas, mesmo com buracos do direito e remendos do avesso.  
Se não tenho sono, porque tenho de dormir? Se não tenho fome? Porque tenho de comer? Se já tenho amor? Porque tenho de continuar a amar?  
As perguntas só fazem sentido, se soubermos que vamos obter a resposta, pelo menos um dia...
E onde fica a realidade? Não há. Não há realidade que resista a tanta irrealidade.  
Posso sempre esperar por alguém, alguém que me traga uns sapatos, antes das meias, embora continue a preferir as meias, aos sapatos, especialmente em dias de frio. Mas se o ambiente ainda se mantiver em Black Friday, um abraço quentinho também serve, um que tenha dimensão suficiente, para abraçar um tamanho pequeno.

Foto: Catirolas

Publicação em destaque

Outono

Incrível!! Ainda ontem o cair da noite banhava lentamente (a passo de caracol) os nenúfares que boiavam no charco verde de águas cálidas, ...