quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A velha

Há sempre um lugar para ir, ou ficar, mesmo que se desconheça que lugar é esse e tantas vezes a solidão, se confunda com o estar só.
Pelo passeio da vida, uma velha de cabelos a roçar o grisalho, passa apressadamente em direção a lugar nenhum, vai ao quintal resmungar com as galinhas. O caminhar convicto, provocado pelos chinelos de uma marca escandalosamente cara, não fazem adivinhar a sua condição. Rica? ou Pobre? Ricos meninos foram aqueles que lhe limparam a casa, mas deixaram as contas para pagar. Os ricos, foram os parentes desconhecidos, ou os conhecidos aparentados. "Família", murmura entre os dentes postiços, presos entre os dentes verdadeiros. Aqueles que levaram tudo o que de valor tinha, menos a velha. A ela deixaram-na ali, com as galinhas, que já nem sabem cacarejar. Mas isso já foi há tanto tempo, que já nem se lembra, desse tempo. Anos, meses, dias, horas ou instantes. Também já deixou de fazer falta, afinal o que é a Páscoa, que significado tem o Natal? Nada, quando o tempo e aquilo que o preenche deixou de importar. A vida passou a desenrolar-se, ao ritmo de um chá quente com sabor a cannabis, como aquela planta verdinha que vai nascendo na estufa, dentro do galinheiro. E é nessa pressa, de quem vive acalentada a uma dor eterna, de um silêncio, que se rende ao barulho da solidão, que tudo se torna mais real... Faz "vento", que o vento já não voa por ali.
Foto:Catirolas




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