terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

O instante seguinte

Sob aquela luz, parecia índia. Cabelos negros, compridos, lisos, uma beleza difícil de entender para lá da máscara, mas ainda assim perceptível pelas linhas do rosto, ou as curvas do corpo, meio escondido pela indumentária. Tenho a certeza de que já me havia cruzado com ela em algum lugar. Perguntei-lhe o nome, mas a música estava demasiado alto e nem quando mo disse ao ouvido fazendo-me sentir o calor o seu hálito, que me agradou bastante e que me desconcentrou até, não consegui perceber, decidindo ter que voltar a perguntar-lhe noutra ocasião. Assim controlámos a noite, entre as saídas para a pista de dança, ou para o bar. O espaço repleto de gente, parecia-me vazio como se o resto do mundo ali não estivesse. Quando os amigos chegaram, despediu-se de mim. Despedimo-nos como não nos voltássemos a ver e entre a troca de um adeus lá surgiu um papelinho com um número de telefone.
Não esperei meia hora para lhe ligar, não consegui, e ela não conseguiu deixar-me ir. Dei-lhe boleia para casa, vinte minutos de tortura, conversámos, penso que seria sobre algum tema interessante, mas confesso que só me conseguia lembrar da vontade de lhe colocar as mãos sobre os joelhos e de sentir o calor da sua pele, ainda que as colans estivessem no caminho desse desejo. Claro que não o fiz. Deixei-a em casa, um terceiro andar sem elevador. Mas antes de partir convidou-me para subir, com a certeza de que não recusaria. Disse que sim.
Sem aquela luz, sem música, em silêncio, sentá-mo-nos diretamente na cama, mãos nas mãos, braços nos braços, pele na pele (agora já sem os colans),  lábios nos lábios...
Adormeci. Acordei horas depois, a luz do sol não entrava pela janela do quarto, presumindo que ainda fosse de noite. Ela estava deitada e eu apressei-me a vestir, enquanto me vestia, ia tentando processar o que tinha acabado de acontecer, lembrava-me de tudo através de uma sucessão de imagens, que não tinha bem a certeza de serem minhas, agarrando-me ao que sentia, mas tudo o que o meu corpo recordava era desse sabor que não era meu, um gosto que a minha boca, o meu paladar, não tinha a certeza ao que sabia, mas que não era desagradável.
De regresso a casa, pensei que afinal tinha acabado por não saber o seu nome, não lho perguntei segunda vez, lembrei-me então do papelinho que tinha no bolso com o número de telefone, tirei-o e li-o uma, duas, três vezes e volto a ler novamente. Para lá do número de telefone estava afinal seu nome, Ismael João. Foi então que subitamente para mim tudo fez sentido, ela afinal era ele, descoberta que em vez de me deixar furioso, só aumentou o tamanho do meu sorriso.

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