quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Solidão hipotecada


O quotidiano era o de sempre, ritualizado. O de um homem de quarenta anos, "um quarentão charmoso", aclamavam por aí, que todas as manhãs saia para tomar o seu café perto de sua casa, nessa cidade situada algures entre os anos 50 e 60. O café era preto, mas as emoções nunca foram tão claras e tudo turvou com a sua entrada. Uma boneca, que ao simples esboçar de um sorriso o perturbava. Queria-a! Desejava-a! Com toda a força desse sentimento de alguém, que gosta de outro alguém. Um amante, que mendiga ao pequeno almoço, almoço e jantar, pela sua atenção.
O amor é simples, mas não o mundo e faltava-lhe ainda esse carácter ecléctico de quem domina o que sente. Mas também não era essa a sua vontade. Atraia-lhe muito mais essa forma de estar, hipotecado de solidão, muito mais que o sonho de um homem evasivo obcecado pelo amor de alguém, que não tem a certeza de ser correspondido.... "Se ao menos o seu sorriso se transformasse em palavras, nas palavras que os seus ouvidos queriam escutar". Mas não sabe, nunca soube e jamais saberá, enquanto lhe faltar a coragem de a surpreender, com tudo o que mais nela o cativa. Não o seu corpo como objecto de desejo: as curvas, os lábios, os olhos, as mãos... embora isso também. Mas muito mais o seu ser, ainda desconhecido para si. Um amor capaz de pagar a hipoteca da sua solidão.


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