quarta-feira, 2 de maio de 2018

A ternura dos 80

O idoso de 80 anos de cabelo branco, rosto enrugado, com boina castanha e de óculos graduados, lá entrou a custo no banco, para depositar o dinheiro da reforma, um ritual que repetia há anos, mas em vez de dar o dinheiro ao caixa, saca de um revólver, e com a ternura e doçura próprias da idade, lá vai dizendo com dificuldade, meio atrapalhado pelas palavras que parecem ficar presas à dentadura postiça. "Isto é um assalto"! Disse tão alto quanto a sua voz lhe permitia. O caixa surpreendido, apressa a meter-lhe o dinheiro num saco do pão e o velhote, auxiliado pelo segurança do banco, sai com toda a naturalidade e descontracção.
Cá fora, a sua esposa, Ermelinda de 79 anos, esperava-o ansiosamente ao volante do Cadillac de 1930. Entrou no clássico e saíram dali a alta velocidade, rumo a lugar nenhum. "Ermelinda, e se parássemos para fazer um piquenique?" Perguntou-lhe com esse amor sábio, interiorizado pelos anos que passaram juntos. 
Pararam e sentaram-se à beira mar presos às emoções de estarem vivos e de se sentirem vivos pelas acções praticadas, 50 assaltos em 3 semanas, que excitação! "Ermelinda e se fizéssemos amor aqui na praia?" Pergunta-lhe sem grandes rodeios. Ela sorriu e disse que sim. Foi então que sem mais delongas, Anacleto com as mãos a tremer de tanta emoção, apressou-se a tomá-la nos seus braços.

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