segunda-feira, 9 de julho de 2018

Janelas


Quem olha para ela daquele lado da janela, pouco vê, muito menos imagina tratar-se de um rosto centenário. 
O relógio por cima da cabeceira da cama de pinho lembra como o passado continua a marcar a passada do tempo. Daquela janela com vista para o mundo e para lado nenhum, vê-se tudo: O arquitecto que desmanchou e refez a fachada de um prédio duplamente centenário. A Manuela, ou será que é o Manuel, que todos os dias sai com uma maquilhagem diferente, perto das dez da noite e que volta de madrugada, umas vezes só, outras acompanhada/o. A mercearia da menina Odete, de 80 anos, que ainda cheira a anos 70, perfume e sabores com gosto a fruta, enchidos tradicionais,  pão fresco logo pela manhã e todas aquelas emoções e sorrisos que escapam a qualquer loja gourmet, de um centro comercial de alto gabarito. A mercearia perdida no tempo, mas achada na genuinidade está ali, mais ou menos ao mesmo tempo, em que a loja do bacalhau impregnava a rua com o cheiro a qualquer coisa podre, mas muito boa.
O tempo avançou e o burburinho pelas ruas também. “Estamos na moda”, diz o carteiro que agora só traz contas para pagar. Longe vão os tempos das cartas de amor, dos namoricos ao final da tarde no jardim. 
Nuno e Teresa servem almoços ao início da manhã e trocam beijos ao final da tarde, mas no jardim restam poucos bancos. Nesse vai vem de amores proibidos e achados há uma multidão que os observa, mas que não os vê… apenas quem está do lado de lá da janela consegue perceber. Por mais que se tente, não há amor se compre, nem amor que se venda, apenas esse vai e vem de ver partir quem quer se (acon)chegar. 

Foto: Catirolas, sem filtros

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