segunda-feira, 13 de agosto de 2018

28 de setembro de 1996


Era verão. Os dias quentes, correndo pelos corredores aqueciam-me o sangue e aceleravam-me a pulsação. A adrenalina enchia-me os tentáculos nevrálgicos e toda a minha alma vibrava por entre as margens do mundo. Depois, viajava pela praia cheia de gente, de corpos morenos, desfrutando um sol que sorria. E as águas, fatídicas, beijavam sensualmente a areia pelos lábios das ondas. Eloquentemente, via a lua adorando com profunda devoção e amor a noite, que era sempre maior que o dia. Depois, vinha a música, que rastejava dentro de mim pelas ruas compridas e alinhadas, desenhando contornos de um corpo romântico, profundamente apaixonado pelos tecidos de cores claras, bordados pelos jardins encantadores dos montes verdes, que se perdiam no horizonte, sem os olhos conseguirem alcançar o seu fim.
Era verão e eu adormecia à sombra de pensamentos bons, dos loureiros viçosos, deleitado pela melodia dos rouxinóis, escondidos nos maciços de verdura. A seguir, embrenhava-me nos braços de cupido e deixava-me levar pela sua magia, que explodia em relâmpagos plenos de força. Até que, um dia senti a minha vista perpassada por uma aflição cheia de amarguras, montes afastando-se, repudiando-me, perpetuando-me com uma nostalgia lancinante, sem cirurgia possível. Foi então que me apercebi que o outono se aproximava rapidamente, que a luz e a vida tinham dado lugar à sombra que me iluminou a alma. Senti que a tristeza me queimava as mãos, que o deserto me inundava e secava as veias e, finalmente, que a música, que me dava vida e alegria (rastejando dentro de mim pelas ruas compridas e alinhadas, desenhando contornos de um corpo romântico e  apaixonado), tinha deixado de tocar e que, por isso, já não era verão.


Foto: Catirolas

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