quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O rio

Na sala de espera, tudo se espera e o tempo perde-se no tempo, o tempo... esse criminoso de olhos amendoados e de bigode esticadinho. Homem pançudo que percorre a aldeia serrana, de lés a lés, com uma carrinha de venda ambulante. "Quem quer comprar a melhor banha da cobra?", apregoa em todos os recantos, todos os buracos e todos os caminhos, mesmo aqueles que indo ter a algum lugar, não vão ter a lugar algum. Na bagagem o de sempre: sonhos, emoções e pedaços de companhia traduzidos em dois, três ou mesmo quatro dedos de conversa, nessa vontade de beber o elixir, de não envelhecer prematuramente.. 
Um pouco abaixo nasce um rio, que entre murmúrios e gargarejos, vai toldando a paisagem, estendendo-se pelas pedras vestidas de algas e musgo. De tempos a tempos, um Achigã (peixe do rio) rende-se às suas caricias, deixando-se levar pelo embalo da corrente. Um pouco mais a sul é a vez de uma tonalidade castanha, se misturar com a limpidez dos seus olhos, turvando-lhe o pensamento com pensamentos de saudade. Voltar para o lugar onde nasceu, é a primeira ideia que lhe vem à ideia, mas no regresso apercebe-se que já não é o mesmo. A sinuosidade do seu corpo deu lugar a um leito mais largo, de margens que transbordam para várias margens e não há margem para isso. 
Não é da idade, não é do tempo, mas é o tempo que o levou à passagem do tempo, onde a idade não importa, pelo menos enquanto a água continuar a nascer e a corrente a passar.
Foto: Catirolas

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